A filósofa Márcia Tiburi afirma que a política é uma instituição
que administra a nossa humilhação.
A
verdade da antipolítica de nossos dias é a humilhação. O verbo
transitivo implica a ação ativa ou passiva de alguém: ou se humilha ou se é
humilhado. Na origem, humilhar significa rebaixar e abater, desdenhar e
submeter. O menosprezo, a desvalorização de alguém estão em seu cerne. Não se
humilha um objeto, apenas um sujeito ‑ uma pessoa, um grupo, um povo ‑, que, no ato da humilhação,
é “assujeitado”,
ou seja, destituído de si, dessubjetivado.
Podemos
dizer com tranquilidade que a política de nosso tempo não é mais política
porque, em vez de ser laço em que as relações entre indivíduos e instituições
são valorizadas constituindo a ação capaz de dar sustentabilidade à sociedade,
se transformou no gesto de negar o outro, o gesto antipolítico por excelência.
Mas
que tipo de negação é a humilhação? O desprezo, o esquecimento ou a negligência
que conhecemos tão bem fazem parte da estratégia geral da humilhação que
constitui a antipolítica.
Contudo,
o que caracteriza a humilhação elevada a ação antipolítica é uma pragmática bem
simples: a pressão geral das instituições para que os cidadãos desacreditem
deles mesmos e da própria coisa pública que os define como tais. Contribuem
para isso todas as instituições fundadas no poder e a grande maioria dos
indivíduos que dela participam: a arma é discursiva e prática. Assim,
igrejas, numa tática antiga, convidam à humilhação por meio de uma moral
invertida, em que se tenta provar que o ruim é, na verdade, bom.
Mais
modernos, os meios de comunicação humilham a inteligência e a sensibilidade das
pessoas com uma programação desrespeitosa, desde a propaganda para crianças até
reality shows que brincam com a primitividade intelectual de quem assiste a
eles, forçando-os a acreditar que não apenas desejam mas também merecem o que
recebem.
O
governo, por sua vez, é a prática da humilhação em seu sentido mais definitivo.
Quando um povo elege um imbecil para um cargo político, ele prova o triunfo do
sistema da humilhação no qual a ignorância e a esperteza dos agentes já não se
diferenciam.
Resistência
Como
ato que se dá entre sujeitos, a humilhação implica sempre um afeto. Somente a
personalidade autoritária é capaz de humilhar. Humilhado é aquele que não pode
corresponder com a mesma violência. A
humilhação vale para indivíduos, mas marca o caráter das instituições. Espinosa
disse em seu Tratado Teológico-Político que governantes e sacerdotes precisam
da tristeza de seus súditos.
Se
aquele filósofo pode dizer que somos formados por duas espécies de afetos, a
alegria que leva à potência de agir e a tristeza que leva à impotência da ação,
podemos hoje desconfiar de que as atitudes políticas prototípicas de nosso
tempo pretendem a paralisia do povo. Que a depressão seja uma epidemia mental
em nosso tempo explica a inação como seu correspondente ético-político em um
sentido negativo. Toda
a experiência humana é marcada por afetos. Nietzsche entendeu que a razão
poderia ser o mais potente dos afetos, o que significa que nos enganamos ao
pensar na frieza da razão, que, em seu imo, move o mundo apaixonadamente. Inspirados
em Nietzsche, podemos dizer que a política é a instituição que administra o
mais impotente dos afetos, a humilhação. Sair da humilhação implica um grande
esforço de resistência, implica entender racionalmente a estrutura que humilha
para desmontá-la passo a passo.
O
primeiro deles surgirá no momento em que compreendermos o que o escritor F. S.
Fitzgerald quer dizer quando, ao refletir sobre o colapso e a necessidade de um
combate contra o irremediável da vida, faz listas “das vezes em que me deixei
maltratar por pessoas que não eram melhores que eu em caráter ou capacidade”. Só
a velha consciência de si, como consciência do valor próprio de cada um, é
capaz de frear o trem do destino infeliz dos humilhados. A ação que surge daí
nega toda subserviência.
Por: marciatiburi@revistacult.com.br
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